quarta-feira, 29 de setembro de 2010

PROCESSO PENAL! Pelo Professor Flávio Martins.

Questão: Em uma briga de bar, Joaquim feriu Pedro com uma faca, causando-lhe sérias lesões no ombro direito. O promotor de justiça ofereceu denúncia contra Joaquim, imputando-lhe a prática do crime de lesão corporal grave contra Pedro, e arrolou duas testemunhas que

presenciaram o fato. A defesa, por sua vez, arrolou outras duas testemunhas que também presenciaram o fato. Na audiência de instrução, as testemunhas de defesa afirmaram que Pedro ti nha apontado uma arma de fogo para Joaquim, que, por sua vez, agrediu Pedro com a faca apenas para desarmá-lo. Já as testemunhas de acusação disseram que não viram nenhuma arma de fogo em poder de Pedro. Nas alegações orais, o Ministério Público pediu a condenação do réu, sustentando que a legítima defesa não havia ficado provada. A Defesa pediu a absolvição do réu, alegando que o mesmo agira em legítima defesa. No momento de prolatar a sentença, o juiz constatou que remanescia fundada dúvida sobre se Joaquim agrediu Pedro em situação de legítima defesa. Considerando tal narrativa, assinale a afirmativa correta.

(A) O ônus de provar a situação de legítima defesa era da defesa. Assim, como o juiz não se convenceu completamente da ocorrência de legítima defesa, deve condenar o réu.

(B) O ônus de provar a situação de legítima defesa era da acusação. Assim, como o juiz não se convenceu completamente da ocorrência de legítima defesa, deve condenar o réu.

(C) O ônus de provar a situação de legítima defesa era da defesa. No caso, como o juiz ficou em dúvida sobre a ocorrência de legítima defesa, deve absolver o réu.

(D) Permanecendo qualquer dúvida no espírito do juiz, ele está impedido de proferir a sentença. A lei obriga o juiz a esgotar todas as diligências que estiverem a seu alcance para dirimir dúvidas, sob pena de nulidade da sentença que vier a ser prolatada.

RAZÕES DE RECURSO

Verifica-se que a alternativa tida como correta baseia-se em posição antiga, afastada pela doutrina contemporânea. Realmente, antigamente, entendia-se que “ao acionado penalmente, em favor de quem milita a presunção relativa de inocência, cabe o ônus de provar os fatos extintivos, impeditivos ou modificativos”, como a legítima defesa. Essa era a posição de Adalberto Camargo Aranha (Da Prova no Processo Penal. Saraiva. 5 ed. 1999, p. 13).

Para a doutrina moderna processual penal, não há que se falar em ÔNUS DA PROVA PARA A DEFESA. É o que diz, no Rio de Janeiro, Afrânio Silva Jardim: “a ilicitude ou culpabilidade devem ser depreendidas das circunstâncias do fato principal, narradas necessariamente na peça acusatória, sendo ônus do autor provar suficientemente a existência dessas circunstâncias que afirmou” (Direito Processual Penal. Ed. Forense, 9 ed., p. 214). No mesmo sentido, diz ele: “sustentamos enfaticamente que a acusação penal deve alegar (rectius, atribuir ao réu) não só um fato típico mas também a sua ilicitude e reprovabilidade. A tipicidade é tomada aqui tanto no seu aspecto objetivo como subjetivo” (p. 210).

No mesmo sentido, em São Paulo, o professor da USP Gustavo Badaró entende que “com relação a suas alegações, seja pessoalmente, por meio da autodefesa, seja por meio da defesa técnica, as mesmas não podem ser vistas como ônus. (...) Na verdade, tal assertiva equivale a afirmar que o ônus da prova pertence ao acusador”. Concluindo, o ilustre professor afirma categoricamente: “Embora seja admissível que a atividade do acusado seja regida por um ônus probatório, NO PROCESO PENAL EM QUE VIGORA A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, TAL ENCARGO É ATRIBUÍDO, COM EXCLUSIVIDADE, AO ACUSADOR” (O ônus da Prova no Processo Penal. Revista dos Tribunais, p. 240).

Como se vê, para a doutrina moderna, não há que se falar em ônus da prova para o acusado, mas apenas para a acusação. O Código de Processo Penal não traz regra acerca da divisão do ônus da prova, como fez o art. 333 do Código de Processo Civil. Portanto, fica a cargo da doutrina a especificação de eventual distribuição. A doutrina moderna, como vimos, posiciona-se no sentido de que não há ônus da prova para o acusado. Não poderia, pois o Exame da OAB, basear-se em tema já superado pela doutrina moderna, motivo pelo qual a questão deveria ser anulada.

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